A geração que pariu bonecas e abortou a realidade – e o bom senso

  • 12/06/2025
A geração que pariu bonecas e abortou a realidade – e o bom senso
A geração que pariu bonecas e abortou a realidade – e o bom senso (Foto: Reprodução)

Ela passeia pela praça com o carrinho, cuida da mamadeira, ajeita o gorro com delicadeza, dá bronca com afeto treinado. Quem observa, imagina ser uma mãe zelosa, talvez no primeiro filho. Mas, ao se aproximar, o susto: é uma boneca. De silicone. Com nome, certidão de nascimento e, pasmem, perfil nas redes sociais.

Esse é o fenômeno dos bebês reborn. Bonecos hiper-realistas, com veias, peso, textura e até cheiro de recém-nascido. Algo que começou como terapia, virou passatempo e agora, se tornou símbolo de uma sociedade surreal e adoecida, com adultos idiotizados andando pelas ruas carregando bonecos como se fossem filhos de verdade — e pior, acreditando nisso. Mas não se trata de brinquedo. Trata-se de sintoma.

Estamos vivendo a era do afeto sem risco, da maternidade sem caos, do vínculo sem contradição. A geração que defende autenticidade a cada post parece cada vez mais empenhada em construir relações que não exigem verdade — apenas encenação.

O bebê reborn não chora no meio da madrugada. Não adoece. Não exige renúncia. Não responde mal. Não cresce. Não reclama. Não sai de casa. É o filho ideal num mundo surreal que já não sabe mais lidar com as frustrações do mundo real.

É duro dizer, mas talvez a boneca seja só a forma mais honesta de muitos expressarem o desejo contemporâneo por controle emocional absoluto. Você cuida, veste, embala, mas jamais será desafiado. Porque tudo ali é sobre você — não sobre o outro.

Ironicamente, esse fenômeno se multiplica num tempo em que relações humanas estão se tornando descartáveis, líquidas, voláteis. Em que amizades terminam por curtidas, casamentos implodem por notificações, e filhos reais disputam espaço com a projeção de filhos perfeitos. Os bebês de silicone se tornaram o afeto sob demanda. Sem margem para dor, conflito ou transformação.

No fundo, parece a realização de uma forma radical de narcisismo afetivo: amar o que nunca vai amar de volta. Acolher o que nunca vai frustrar. Cuidar do que nunca vai partir ou desafiar.

Talvez a questão não seja a boneca em si — mas o vazio que ela tenta preencher. Um vazio relacional que deixou de ser tratado com maturidade e passou a ser coberto com filtros emocionais, silicone e afeto coreografado.

A geração que não aprendeu o significado da palavra “não” e grita por liberdade afetiva, se tornou incapaz de lidar com os riscos que vêm junto ao amor do mundo real: rejeição, dor, imperfeição, perda. Então cria simulacros. Fantoches emocionais. Vínculos sob contrato. Relações com manual de instrução.

E aí está o paradoxo: quanto mais evitamos a dor, mais fabricamos solidão. Quanto mais controlamos os afetos, menos os sentimos. Porque amar de verdade sempre será arriscado, incômodo, imperfeito. E por tudo isso, real.

Essa geração que pariu bonecas e aborta a realidade talvez só esteja dizendo, sem perceber: “Eu quero afeto, mas só se ele não me mudar. Só se ele me obedecer. Só se ele for bonito, me der tudo que eu quero, e for mudo.”

Só que o amor — o amor de verdade — não cabe nessa estética. Ele é bagunçado, barulhento, imprevisível. Ele chora no meio da madrugada, cresce demais, nos desmonta e nos reconstrói. Ele exige. Ele dói. Mas, acima de tudo, ele proporciona sentido à vida humana. As bonecas não devolvem nada. Só uma ilusão débil de controle.

E isso, no fim das contas, talvez seja o retrato mais honesto do nosso tempo: uma geração que adota o afeto como performance e larga a realidade na porta da maternidade emocional, tentando encontrar um sentido que só vão encontrar no lugar que decidiram abandonar: o mundo real.

 

Alisson Magalhães é Ministro Ordenado na Igreja do Nazareno, formado em Teologia pela FNB/Unicamp, professor de Teologia em cadeiras teológicas, pastorais e na área de música e adoração. Autor do livro Cristianismo 4.0 – Desafios para a comunicação cristã no século XXI, é publicitário, jornalista, Consultor e Especialista em Comunicação Pública, Marketing Político e Eleitoral. Atualmente serve com sua esposa, Elaine, na Serra Catarinense, onde também atua como Chefe de Gabinete no município de Palmeira/SC.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Descobrindo descanso no bom pastor

FONTE: http://guiame.com.br/colunistas/alisson-magalhaes/geracao-que-pariu-bonecas-e-abortou-realidade-e-o-bom-senso.html


#Compartilhe

Aplicativos


Locutor no Ar

Peça Sua Música

Top 10

top1
1. Deus Proverá

Gabriela Gomes

top2
2. Algo Novo

Kemuel, Lukas Agustinho

top3
3. Aquieta Minh'alma

Ministério Zoe

top4
4. A Casa É Sua

Casa Worship

top5
5. Ninguém explica Deus

Preto No Branco

top6
6. Deus de Promessas

Davi Sacer

top7
7. Caminho no Deserto

Soraya Moraes

top8
8.

Midian Lima

top9
9. Lugar Secreto

Gabriela Rocha

top10
10. A Vitória Chegou

Aurelina Dourado


Anunciantes